segunda-feira, 2 de março de 2020


A Educação como instrumento de intervenção no domínio econômico




No mês de julho, durante um encontro de professores, que procuram alternativas às ações oficiais de desmonte da educação brasileira, apresentei um breve relato a respeito da importância do Estado para a superação do atraso econômico e deste o papel reservado à educação. A intervenção apresentada apontou as estratégias da União Soviética e Estados Unidos entre o final dos anos 30 e 40, envolvendo os efeitos da Grande Depressão e Segunda Guerra Mundial.
O relato a respeito da União Soviética foi fundamentado nos dados do relatório da Aliança da Amizade da Juventude Anglo-Soviética ficando a questão estadunidense amparada no artigo do pesquisador do Roosevelt InstituteDavid B. Woolner. A respeito do primeiro relatório, considero importante mencionar que foi escrito por membros de uma comissão inglesa em visita à União Soviética, apresentando em sua introdução a aprovação de Martha Beatrice WebbBaronesa de Passfield, fundadora da Sociedade Fabiana.

O Caso Soviético

Para superar o atraso econômico do antigo império russo, foi necessário, aos revolucionários de 1917, praticamente construir um sistema educacional envolvendo 175 nacionalidades das quais 124 não possuíam escrita alfabética existindo, naquelas possuidoras da escrita, 73% de analfabetos. O processo de alfabetização, deste modo, foi parte da elaboração de 124 alfabetos, a criação e administração de creches, escolas de ensino básico, formação técnica em distintos idiomas, aspecto inteiramente novo considerando a obrigatoriedade do uso do idioma russo durante o período czarista.
Os números desta ação revelam-se gigantescos e apresento, como exemplo, o 3º Plano Quinquenal, cujo conteúdo determinava a construção de 20 mil novas escolas (16 mil em áreas rurais) e formação de 500 mil professores. No período anterior ao 3º Plano Quinquenal, o número de estudantes em escolas básicas eleva-se de 7,8 milhões em 1913 para 35 milhões em 1940, aspecto possível em função da associação da educação ao planejamento econômico nacional, resultando, entre 1932 e 1941, o gasto de 12% do orçamento nacional em educação.
A educação infantil também merece atenção, quando observamos o atendimento de 3,5 milhões de matrículas em 1940 em estabelecimentos localizados nas fábricas, fazendas e áreas residenciais.
Aos adultos não alfabetizados reservaram-se diferentes métodos, incluindo escolas noturnas, círculos de discussões, rádio e cinema educativos, cursos por correspondência acompanhados da necessária formação técnica e universitária.
Neste último ponto, formação universitária, no período entre 1917 e 1940, a União Soviética apresentou um aumento do número de universidades de 91 para 700, representando uma elevação, no mesmo período, de 112 mil estudantes para 650 mil mantidos através de um sistema de bolsas de estudo.
A escola soviética não ficava restrita ao prédio escolar, existindo, nos maiores centros, os chamados Palácios da Educação e, nas localidades menores, as Casas da Educação, ambos dotados de infraestrutura para atender à formação nas áreas das artes plásticas, literatura, teatro, cinema, comunicação e designer de aeronáutica, ficando este como um dos cursos de maior procura. Aqui recordo: em 1961, um piloto soviético nascido em 1934 tornou-se o primeiro homem a viajar pelo espaço.

O Caso Estadunidense

Franklin Delano Roosevelt assumiu o seu primeiro mandato como presidente dos Estados Unidos em 1933, encontrando o país arrasado economicamente e preso à inércia do discurso não intervencionista. O Estado da Geórgia, por exemplo, havia fechado todo o sistema escolar e demitido praticamente a totalidade de seus professores, enquanto, no restante dos estados, os cortes nos orçamentos da educação ultrapassavam 30% e incluíam o fechamento das escolas em áreas rurais e urbanas e consequente demissão de professores e demais funcionários.
A primeira iniciativa intervencionista do Governo Roosevelt foi o socorro aos estados através do envio de US$ 20 milhões de dólares para manutenção das escolas, ampliando a presença estatal através da criação de agências governamentais para ampliação da oferta e associação da educação escolar aos instrumentos de intervenção estatal na economia, notadamente a geração de empregos. Neste sentido, criaram-se centros provisórios e itinerantes de formação profissional e alfabetização de adultos (os EUA como é possível observar apresentavam elevado número de analfabetos necessitando ainda de formação profissional), evoluindo estes para prédios escolares públicos.
A construção de prédios escolares, a criação de cursos para alfabetização e formação técnica seguiu o princípio da ampliação do número de empregos para professores e jovens, oferecendo as agências responsáveis pelos programas educacionais, empregos nas escolas aos estudantes em turno oposto ao de estudo.

Educação e Intervenção Econômica

Os exemplos aqui apontados revelam a necessária presença estatal no setor educacional apoiando, investindo e planejando como forma de garantir a formação da juventude, a superação do analfabetismo e construção de um projeto de desenvolvimento.
No caso brasileiro, devemos recordar que a Constituição de 1988 incluiu a educação entre os direitos sociais e, para a sua aplicação, é necessária uma política econômica voltada à manutenção, ampliação dos espaços escolares, carreira dos professores e demais trabalhadores somado ao atendimento daqueles em idade obrigatória e adultos que ainda não concluíram a formação básica.
A política neoliberal ampara-se exatamente na negação deste direito, apresentando como justificativa a diminuição da presença do Estado e, como verificamos, o resultado de práticas semelhantes revelam o caráter ou entendimento do acesso à educação como privilégio de classe.
O caso brasileiro, nosso evidente atraso econômico, encontra no processo de elitização da educação o caminho para o aprofundamento da centenária política econômica de base colonial tornando necessário a organização de uma mobilização em defesa da educação emancipatória, popular.
Para citar: COELHO, Wladmir. A Educação como instrumento de intervenção no domínio econômico. Estadosfera, 2019. Disponível em: https://www.estadosfera.com.br/a-educacao-como-instrumento-de-intervencao-no-dominio-economico/ . Acesso em: xx de xxx. 20xx.




https://www.estadosfera.com.br/a-educacao-como-instrumento-de-intervencao-no-dominio-economico/

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